quinta-feira, março 31

Eles nos dizem: "Eu que aqui estou, por vós espero"

No sonho, um avião que caiu. Mas o mais incrível e inédito desse fato, dessa circunstância ou desse acidente, como queira denominar, foi que essa queda a todo o momento foi ligeira e macia. Coisa de sonho e de quem anota o sonho. Mas, mesmo que ainda que representasse a assustadora e esmagadora idéia da queda de uma aeronave, imponente, desbravadora, de curiosidade restante para o infinito e além, aqueles que nela estavam não desesperaram. O que eles pensaram era se eles iriam perder o próximo meio de locomoção, o navio, que ficaria distante em alto mar, ressalto, em mais perigo. Mas como um cérebro inconscientemente foi capaz de criar uma situação tão fielmente interpretativa da minha realidade. Mistérios de quando eu quis ser psiconeuroendocrinologista. A questão é que realmente não importa quantas vezes houve uma queda, como contabilizam a maioria das mentes utilitaristas e quantitativas atuais. O importante é que ela seja suave, que você a satisfaça, que você se satisfaça. Aprenda, levante, e saia vivo dela! O José Alencar já havia falado pro Jô: “Perder é fácil. Difícil é saber ganhar. (...) Dentre as difíceis circunstâncias o importante é não desesperar”. Assista e perceba a relatividade da mortalidade. Ele, com tudo isso e aquilo, se tornou um homem imortal de 79 anos de idade. Não se deixe enganar pela quantidade. E eu simplesmente não me importo que alguém bastante desinformado, ou informado em demasia reduza e enquadre essas meras e simplórias palavras em um conceito vazio de “auto-ajuda”. “The eager young minds of tomorrow”, já falava Nash no início de suas aulas, e que, agora sou eu quem digo e pergunto: tem glória maior do que o momento em que você ressurge e renasce de quando a vida não era simplesmente um fato já dado? Essa é contida pelo mais elementar sentimento de viver, não existe outro que substitua o sentido de estar vivo. E nem mesmo é terrorismo, ou "horrorshow" pensar que essa situação é permanente. Afinal, que garantia temos nós? “Se antes de cada ato nosso nós puséssemos a prever todas as conseqüências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar” José Saramago, no único Nobel de Literatura da Língua Portuguesa que indico fortemente e faço coro determinantemente a tentativa de quem lê em fazer refletir. Capiche?

domingo, março 27

Apenas um rascunho


Decidi não maltratar os meus rascunhos,

tão preciosos.

E nem rabiscá-los,

por isso os guardo.


Que tal reaproveitá-los?

Frente e verso.

E não deixar que nenhum espaço branco

ocupe o que é feito do meu coração.


Reaproveitando o reaproveitável.

Sem linhas,

Pontos ou caracteres.


E colecionando,

a caixinha pequena vai ficando cada vez menor.

De belíssimos restos, decompostos em poucas palavras.

Pequena verdade na felicidade dos caracóis


Ontem acordaram com vontade de chorar os caracóis. Sem grandes margens ou perspectivas imaginaram que não valeria os pequenos passos dados com tamanho esforço. Sonhando voar, os caracóis ironicamente se agarraram ao chão, como nunca. Temiam na verdade o poder voar. Eles eram caracóis, afinal. E temiam também o desejo. Então eles pararam, sem vontade de nada, pararam. Foi quando o céu escureceu e as estrelas caíram que mais um dia se passou, assim como as esperanças. E à medida que elas caíam cada vez mais perto ao chão, eles aproximavam-se da arrebatadora imensidão do céu.

quarta-feira, março 9

Regras num descompromisso ao amor

Eu caminhava enquanto relanceei um cena amargadoramente transportável a um tempo desconhecido e não pertencente mim.
Naquela casa, baixa, de grades que me permitiam presenciar da janela a velha mulher a gritar e reclamar ao seu marido a presença ao jantar toda a história começaria. Até então na minha cena só figuravam a casa, o céu e ela. Foi então que ao escutá-la berrando eu descortinei-me ao homem, impaciente na resposta, com o cigarro a segurar e andando sem satisfação nem documento, o que me faria conhecer toda a biografia daquele casal.
Foi mais ou menos assim.
Ele, no bar com os seus amigos quando ela passou. Meio embriagado ao notá-la mudaria toda a sorte de seu destino em pensar em ter aquela formosura ao seu lado, pra sempre. Sonhou com ela dias e dias antes de descobrir quem era para ir ao seu encontro. Ela, imatura no amor, aceitou o pedido de namoro ao homem que não conhecia.
Ele, poucos meses depois, pediu a sua mão.
Então, se casaram, se mudaram, se engravidaram diversas vezes e assim a vida os levou. Ela reclamava do cheiro que ficava na casa após ele acabar com os seus vulgares maços, perdera muitos casamentos pela falta de vontade do marido. E perdera muitas amigas pelo ciúme. Deixou de ser doce com seus filhos e acabou por ser bastante infeliz quando ele chegava a casa com o cheiro de qualquer uma outra, muitas e muitas vezes. Quisera ela não tivesse passado à frente daquele bendito e abominável bar em tempos de carnaval.
E depois de muitos anos, quando muito e pouco já havia se suportado eu passei em frente àquela casa. E ele, carregando o seu vício, anos a fio, fazia com que eu soubesse exatamente o que por eles já havia passado.