Era um domingo qualquer quando...
Aliás, não era um domingo qualquer. Dominava aquele aborrecido pessimismo ainda que estivesse tudo belo e que a família estivesse relativamente reunida.
Então, era um domingo qualquer no sentido de que domingo é sempre domingo, mas, além do pessimismo ultimamente reinante seria inédito o ocorrido que se segue.
Estava sozinha na sala, lendo. Ainda que meio desconfortável na poltrona, acostumada com a escrivaninha, a cadeira e tudo milimetricamente calculado, a leitura fluia como se aquelas palavras soassem naturais e não tivessem sido fruto de uma grande pesquisa de um grande pesquisador. Ia-se lá pelas tantas a explusão dos Holandeses e a fixação nas Antilhas – que trariam problemas para a produção brasileira posteriormente. Subsequente a isso vinha a parte em que o autor afirma que o trabalho escravo e o tráfico negreiro é mais rentável à grandes propriedades de terra.
Foi quando ela entrou na sala. Com aquele sorriso inocente por fora, mas, indecifrável pela gente branca por dentro que ela veio caminhando até se sentar na poltrona ao lado. Liberdade dada pelos patrões de que não haveria privações dessa natureza. Bem, eu, curiosa, pedi a ela que lesse, qualquer parte que quisesse da página. No fundo eu queria testar seu grau de leitura mas percebi que ela fluia bem apesar de não entender nada que lia. Perguntei o que ela havia lido de forma embaraçada e com atropelo de palavras. Ela deu uma gargalhada estridente e disse que não sabia, sem o menor peso na consciência ou sentimento de inferioridade, então, como eu imaginava, ela era uma analfabeta funcional.
Eu então numa atitude automática puxei o livro de suas mãos e disse: “Te explico”. Contextualizando a situação de colonização do Brasil eu foquei nas atividades produtivas, não falei de escravidão. Ela não tinha culpa de nada. Talvez eu tivesse. Ou não. O fato é que eu simplesmente recuei nos aspectos morais, detalhava descritivamente o que não omitia. Daí, ela achou muito interessante toda aquela história de associação de Portugal com a Inglaterra e a retomada de reais interesses ao Brasil já que consolidado o grito de independência. Ela gostou de saber que a história de quando saiu de casa se assemelhava um pouco à história do Brasil naquele momento e insistiu, por fim, que eu fosse a Inglaterra e não Portugal. Eu deixei. Simples e um pouco imperfeitas as associações ela pareceu entender e ficamos, as duas, satisfeitas.
Após isso, ela me disse que precisaria sair para “ver se lá fora” precisavam dela. Um tempo depois, terminando o capítulo, eu me levantei e vi que ela assistia televisão, em dia de domingo. Imagine.
Não perderia a oportunidade de perguntar: “E aí, você gosta mais da história que eu te contei ou de assistir televisão.” Imediata e logicamente eu fiquei apreensiva pela resposta. Se ela escolhesse a televisão... Então ela olhou pra mim, riu, fez cara de sabida e disse antes das imensas gargalhadas: “Mais da história, claro, aquele livro, eu achei muito importante!”
Formei uma seguidora latente de Celso Furtado.
Fim.
Aliás, não era um domingo qualquer. Dominava aquele aborrecido pessimismo ainda que estivesse tudo belo e que a família estivesse relativamente reunida.
Então, era um domingo qualquer no sentido de que domingo é sempre domingo, mas, além do pessimismo ultimamente reinante seria inédito o ocorrido que se segue.
Estava sozinha na sala, lendo. Ainda que meio desconfortável na poltrona, acostumada com a escrivaninha, a cadeira e tudo milimetricamente calculado, a leitura fluia como se aquelas palavras soassem naturais e não tivessem sido fruto de uma grande pesquisa de um grande pesquisador. Ia-se lá pelas tantas a explusão dos Holandeses e a fixação nas Antilhas – que trariam problemas para a produção brasileira posteriormente. Subsequente a isso vinha a parte em que o autor afirma que o trabalho escravo e o tráfico negreiro é mais rentável à grandes propriedades de terra.
Foi quando ela entrou na sala. Com aquele sorriso inocente por fora, mas, indecifrável pela gente branca por dentro que ela veio caminhando até se sentar na poltrona ao lado. Liberdade dada pelos patrões de que não haveria privações dessa natureza. Bem, eu, curiosa, pedi a ela que lesse, qualquer parte que quisesse da página. No fundo eu queria testar seu grau de leitura mas percebi que ela fluia bem apesar de não entender nada que lia. Perguntei o que ela havia lido de forma embaraçada e com atropelo de palavras. Ela deu uma gargalhada estridente e disse que não sabia, sem o menor peso na consciência ou sentimento de inferioridade, então, como eu imaginava, ela era uma analfabeta funcional.
Eu então numa atitude automática puxei o livro de suas mãos e disse: “Te explico”. Contextualizando a situação de colonização do Brasil eu foquei nas atividades produtivas, não falei de escravidão. Ela não tinha culpa de nada. Talvez eu tivesse. Ou não. O fato é que eu simplesmente recuei nos aspectos morais, detalhava descritivamente o que não omitia. Daí, ela achou muito interessante toda aquela história de associação de Portugal com a Inglaterra e a retomada de reais interesses ao Brasil já que consolidado o grito de independência. Ela gostou de saber que a história de quando saiu de casa se assemelhava um pouco à história do Brasil naquele momento e insistiu, por fim, que eu fosse a Inglaterra e não Portugal. Eu deixei. Simples e um pouco imperfeitas as associações ela pareceu entender e ficamos, as duas, satisfeitas.
Após isso, ela me disse que precisaria sair para “ver se lá fora” precisavam dela. Um tempo depois, terminando o capítulo, eu me levantei e vi que ela assistia televisão, em dia de domingo. Imagine.
Não perderia a oportunidade de perguntar: “E aí, você gosta mais da história que eu te contei ou de assistir televisão.” Imediata e logicamente eu fiquei apreensiva pela resposta. Se ela escolhesse a televisão... Então ela olhou pra mim, riu, fez cara de sabida e disse antes das imensas gargalhadas: “Mais da história, claro, aquele livro, eu achei muito importante!”
Formei uma seguidora latente de Celso Furtado.
Fim.