quarta-feira, outubro 27

Maldade ou vaidade ou tudo que a dúvida não é

Qualquer amarra é uma mazela. Entretanto, existe o oposto de que a criação de um trabalho pautado por poucos elementos, que se limite a um objetivo, ou a um tema, ou a um pedaço da realidade, crie uma personalidade.
Vez ou outra essa personalidade é questionada. E daí vem o desejo de mudança. Mas o primeiro passo pode ser esquivado pelo anseio de perder o mérito que lhe era atribuído. A inócua pseudo-revolução, ainda que do pensamento, reforça a ordem, e tudo volta para o lugar de onde nunca saiu.
Então eu questiono, adiciono ou não adiciono elementos à minha querida criação?

quinta-feira, outubro 21

Tentar dizer quando longe




Passa sete horas à frente do papel e nada sai. A única coisa que resta é uma palavra: aquele nome que não deve ser escrito, nomeado. Que sequer deve ser pensado, mas que a ocupa.
As outras palavras que a elevam ficam retidas a um só nome, escondidas. Sem fingir, demonstra que seu mundo se acaba quando não está perto.
Mas no fim se esconde o que se precisa dizer.
E quando da ocorrência de um olhar, se diz.
Calando as palavras, mostrando as evidências.
Mas te deixar, pela última vez.

quinta-feira, outubro 7

Faz diferença em primeira pessoa



O olhar daquela mulher me fitando confirmava o que eu iria saber momentos depois. Eu a lembro a sua filha, morta de forma fulminante quando ainda era nova. E não há nesse mundo sentimento absoluto que me faça descrever de forma rápida o que foi descobrir algo assim na minha vida. Algo assim ainda hoje, quando sinto as coisas balançar. Deve haver em mim, por isso, muita compaixão para ela. Eu entendo. Naquele momento meu mundo se resumiu a isso. E se eu tivesse sabido antes de vê-la embora, eu a chamaria, sentaria, conversaria e demonstraria que por esse simples acontecimento, não importa o que ela fosse para mim ou o que eu fosse à percepção dela, eu também a via com muitos sentimentos. Isso faz me sentir humana.

Ainda que me reste incertezas. Ainda que me exija racional. Ainda que me porte fatalmente relativa. E por mais apolítico que isso seja e assumindo as conseqüências. Por mais escandaloso. Por mais desonrado e desordeiro para outrem. Sou deveras emoção. E é por isso que conscientemente da forma mais racional eu reafirmo que tudo que sei é que nada sei. Por mais que para a maioria o pouco que sabemos baste. E isso talvez me salve da estupidez. Ou talvez me eleve a ela. Ou talvez me faça crer novamente no homem. E me faça crer no outro. Na sua racionalidade e na sua emoção. E me faça querer novamente destruir a díade que rege nosso mundo. Mas talvez eu me decepcione novamente. Certamente decepcionarei. Lágrimas não me faltam. O mar. Nossos olhos. E a tempestade sempre vem. Nos novos, o medo da vida. Nos velhos, o da morte. Os ideais balançam. As idéias balançam. E até a nossa racionalidade balança, por tudo ser logicamente justificável. As evidências ironicamente são relativas. E o meu importar comigo balança. Com o outro também. Aumenta-se e diminuem-se as morais. E as amorais. E me importam as percepções que passo ou que falem porque essas também sou eu. Eu afirmo isso no presente e que não vai mudar no futuro. Isso me faz sentir indivíduo.

Contudo entre o humano e o indivíduo há algo que me faz pecar. O incansável poder da busca. E há algo que me faz querer ser menos indivíduo e demasiadamente humana. Minha característica e fraqueza exposta. Mas que ainda assim, balança. Porque na palavra essencialmente minha, não há pistola carregada. Ainda que eu tente. E eu não mudarei isso porque o mundo se julga injusto ou cruel.

Há dias que sinto. Desculpe-me. Nos outros, vivo. Assumo.

domingo, outubro 3

Do peso ao arraste.


A cada movimento, a culpa.
A quem recusou um almoço, as colheradas progressivamente se tornam cada vez mais pesadas. A culpa é tudo o que ocupa os órgãos exasperados que irremediavelmente gemem de dor.
De dor do excesso.
De dor do incansável.
De dor das tentativas fracassadas em poder lutar contra as paredes de tecido que os impedem de explodir.
De culpa.
De culpa.
A pouca comida que resta parece um banquete. A fome já desconhecida se esvazia e se enche culposa.
Tudo o que resta é culpa.
Vigora-se o estômago, nutrindo o desejo de sobreviver na tentativa arrastada de lutar contra as intempéries da vida que o enchem de mais desejo de dolo.
E o corpo pesado imagina-se sustentado, até que no só, o olhar para longe e o céu nebuloso, a imagem pára. O olhar cansado de uma mulher analisa fixamente a personificação da culpa. Leva-lhe a palavra mentindo. O sorriso santificado se acende em bondade a quem não merecia. O corpo se liberta. A mente se liberta. O hoje aparece em exclusão do passado e todos os movimentos se revezam.
Em seu real teor.
Leve.
Fig.: El Hechizo de Merlin, Burne-Jones

sábado, outubro 2

Protocolado - Pág. 7 (Arquivo Simplório)

Duas sentenças removidas pela autora
Figurante: W. Maguetas - Lembranças 50 x 60 cm