domingo, dezembro 20

Quando chegar de viagem atualizo o que tinha programado para esses espaços!

As nossas aves

Elas trabalhavam a montar o céu, pegar a cor, encaixar a nuvem. Voavam livres de um lado ao outro no grande quadro infinito do céu. Aquela menina o admirava nos dias ruins porque era ali que ela tinha certeza que o mundo ia girar e as coisas... melhorar-se-iam. Inspirava-se nas gaivotas, relutantes na pressão dos intensos ventos e ares. E ali ela iria contra os ventos ou acompanhá-los. De repente chovia passarinhos... 1, 2, 3... Eles se salvavam na eternidade. Ela abria os braços e girava em torno de seu próprio corpo. Salvando-se da incerteza da imensidão. Criando-se sua própria forma de universo.

Ele existe!

Eu não pensava que todo mundo fosse filho do bondoso velhinho. Mas eu acreditava que ele vinha me visitar nas noites de 24 de dezembro. Ora, eu de fato o via chegar com sua roupa vermelha, sua barba branca e seu grandioso saco de presentes. Era assim todos os anos que eu outrora vivera. Era mágico, intenso, um grande dia. Mas naquela última noite de fantasia tudo mudou. O Papai Noel estava lindo, barrigudo e muito alegre. A voz não era familiar mas, aquele sapato... aquele sapato... eu conhecia bem aquele sapato! Igualzinho ao marrom, de furos que moldavam um belo desenho que pairava nas prateleira de um armário lá de casa. Estava reluzente e bem cuidado como sempre mas era frustante avistar um sapato tão familiar calçado na figura de um ilustre visitante velhinho. E foi naquele abraço que eu percebi mais ainda toda a brincadeira. Pela primeira vez eu sabia que naquele cheiro eu abraçava meu predecessor na noite de Natal e não meu amigo do Pólo Norte que vinha me ver há seis anos.
Nesses dias eu o vi novamente, aquele cumprimento não era desencanto, era verdadeiro o sentimento. E ele, o verdadeiro, estava lá. A barba, o cabelo, o olhar alumbrou-me em seu endeusamento.

segunda-feira, dezembro 14

Sobre minhas agendas


Todas as agendas são inicialmente iguais. Vazias. Enumeradas pelo nascer e pôr do Sol. Enumeradas pelas fases da Lua. Mas ainda que correspondentes de fenômenos da natureza são incompletas. Neutras. São tristes as agendas novas. Estão descompromissadas com a vida de todos ou qualquer um. Porém, uma agenda começa a ganhar sentido quando alguém entende que ali poderá tornar mínimas as felicidades e as tristezas de muitas páginas de sua vida. Desde que tenha posse, a agenda se transforma de um inanimado comum para um ser importante, guardião de um tesouro. Os meus guardiões desse espaço de tempo nascem desidratados e famintos. Ainda bem. Logo a sede é convertida em metas e objetivos. Vai então o guardião se hidratando ao longo dos dias. Por sua vez, faminto por viver, simplesmente vive e isso basta para se tornar cada vez mais saudável, até que no finalmente eterno dos anos extrapolam um estado de saciedade tão intenso que se colocam a agradecer as colheitas do ano. As vidas pensantes dever ter esses guardiões consigo. As agendas no final do ano devem estar robustas, fortes, completas e complexas. Tenho particularmente uma satisfação incomensurável de ver esses organizados pedaços de celulose a gritar socorro, apertados em meio a milhares de outras coisas mais. Há quem olhe e tenha certeza do absurdo ver tantas coisas embutidas nos pedaços de papel. Mas é um júbilo analisar as feições de reprovação diante de tão singela obra da natureza, a vida e sua ocorrência. As pessoas deveriam experimentar ter mais esse prazer. Além de um prazer, esse guardião do tempo pode funcionar como um detentor de poções mágicas para o enobrecimento e para a cura. Enobrecimento de valor e cura para a dúvida. E quando cansar-se de tamanha loucura reduzida a fatias unidas em plena espera de acontecimento, de repente se apresenta outro guardião esperançoso pelo amanhã. É hora de dolorosamente trocar de ano. Desprover-se parcialmente do que ficou para trás. Mas é aí que nascem os tesouros de ontem esse tesouro é um segredo. Para um e para todos.

domingo, dezembro 13

Não aos que amam


Se Santo Agostinho perguntou “O que eu amo quando te amo?” eu posso ser capaz de perguntar “o que eu não amo quando não te amo”. E essa pergunta abrolha por muitas fases da vida, ou pelo menos, deveria. Embora ambas não tenham respostas, elas se tornam por si só completas de explicação. Elas explicam intensamente, há muito por detrás dessas palavras que antecedem o simples indagar posto por um ponto de interrogação. E tudo que há por trás é de difícil entendimento pela maioria dos que amam, não são amados, ou talvez por quem somente procure o amor e que, por assim dizer, não ama. L’amour. É algo em que todos falam ou aquele para que muitos vivem. Mas não é algo que se procure, e ele ao menos deixa ser procurado. Muitas vezes sua ocorrência é forçosa, sai arranhado desde a garganta até onde adormece, no coração. Isso não pode acontecer. Não pode deixar também que isso aconteça. Puramente acontece. Sutil. Único. Se arranhar é outro presente, não ele. Pois o verdadeiro representa ser a vivência extrema de uma expressão traduzida por Pessoa: “quando te vi amei-te muito antes. Tornei a achar-te quando te encontrei”. Deve-se entender isso. Não forcem. É obrigatório entender os que não amam. Os que dizem que amam e não são amados vivem o que não passa da barreira de um simples deslumbramento, uma ilusão. Engano. O amor envolve a dois. Ainda que seja unilateral e vivido eternamente solitário em cada um. Vive eternamente só, esse sentimento. Não deixar-se forçar vai além de um modo de vida, uma maneira de ver. Além de uma dita seriedade, é um respeito evitando a violência contra si mesmo. É uma vontade incansável de tê-lo plenamente em si. Se assim não for, que não seja.

sexta-feira, dezembro 11

Palavras! Palavras! Ó Palavras a que eu dedico ao Marechal!


Após uma longa espera, e mais, uma vigília que pareceria eterna ao adentrar nos sítios que talvez pudesse me informar o resultado, chegou. Chegou a hora em que meu coração dispararia feliz ou decepcionado. Para uma coleção de batimentos intensos estava lá meu nome a integrar o corpo de escritores semifinalistas. Não estava no primeiro, no segundo ou no terceiro lugar, mas estava lá citado, o meu nome. Dentre milhares e milhares de redações, estava lá o meu nome a figurar a areia peneirada do 15º Prêmio Nacional Assis Chateaubriand de Redação. De certo que não irei para Brasília. Não chegou a minha vez de fazer como o herói Cândido Rondon e desbravar essas nossas terras de mais vida e mais valores. Ainda. Esse coração que já vibra desesperado comemora uma vitória. A de ter suas palavras valorizadas por outrem. Palavras essas que foram conjugadas por mim. Entretanto, arraigadas por nossos hinos, meu conhecimento e meu patriotismo. Verei o cruzeiro mais brilhante, mais verde e amarelo. E não deixarei de caminhar a passos largos, não, não ainda, não dessa vez. Estive correndo para ficar parada. Só que dessa vez, ao parar senti meu coração acelerado, estava a pular de alegria. Correrei logo novamente. Para o infinito e além, num céu de cinco belos diamantes.





O texto na íntegra ainda não pode ser divulgado pelos participantes até o término desse ano. Mas, ele poderá ser encontrado aqui, na minha primeira atualização de 2010. Figurará então, o 101º texto do blog. Uma comemoração!

sábado, dezembro 5

Mais que uma noite no céu com diamantes....


... é uma noite na terra com sonhos mágicos

Nunca perdera a hora. Nunca em tal proporção de se levantar com o susto de ver no relógio a distância apenas de um minuto de seu compromisso. Ela decidira, ao adormecer, acordar da forma mais natural, porém não previa os belos sonhos que a deixariam por demais na cama. Havia um clima bom no ar, chuvinha fresca, friozinho agradável, essências no quarto, tudo muito propenso à florescência da sua imaginação. E assim, foi. Uma noite inteira viajando bem pertinho em campos largos, floridos e com a visita mais agradável. Corria e saltitava em lugares que já tinha estado no real, não daquela forma incansável e amadora. Era tudo muito autêntico e concreto para ela, talvez não estivesse mesmo pensando que com um beliscão tudo aquilo acabaria. As flores, as cores, o céu, os corpos eram tangíveis. Essa imensidão quase descontrolada era mesmo merecedora de muitas horas de sono. Ao assustar-se, levantou, mas era como se ainda estivesse no deleite sonhado e pôs-se a desfrutar de uma das coisas que mais apreciava: geléia de amora. Uma imensa gargalhada acompanhou toda essa loucura. Decidiu continuar encantada se colocando a escrever, como personagem se eternizava. Esta noite seu relógio não parara, quem encantara fora ela. Seria mesmo ruim perder tal magia com um tu tu desagradável. O dia seria longo a esperar mais uma noite de sonhos impossíveis. Para era espera melhor não haveria, contava com esse poder de atravessar entre o seu real e sua imaginação. Através do Universo. Jai Guru Deva Om. Nada vai mudar meu mundo.

sexta-feira, dezembro 4

Os objetos pensam e falam

Eu não entendo porque o relógio insiste em parar exatamente quando ele deveria trocar o dia. Se ele funciona durante todas as horas do dia, porque se comporta insistentemente nessa louca mania? Não sei se ele deseja, de alguma forma, eternizar os dias. Se assim fosse, eu respondo, ele não possui esse poder. Afirmo questionando que talvez ele tenha capacidade o bastante de mostrar algo. Mas, o quê? A valorização escassa do presente? A incerteza do futuro? A eterna vontade de viver um dia de cada vez? O hoje? Mas talvez seja o medo do futuro, do amanhã, do próximo segundo. Mas ele também não seria capaz de tal feitoria refletida nas lágrimas de sua dona. Talvez tenha uma imensa dúvida em se partir ou ficar. Eu também não sei se parto ou se fico. Prefiro partir, os ponteiros, se fincam nesse solo asseverado e, estancam. Mas para deixar que ele porte contínua em meu punho preciso deixá-lo seguro. Lavrarei o solo, ararei, semearei e cultivarei em solos férteis. Mas quem dirá se eles são seguros?

terça-feira, dezembro 1

II Participação Especial: Roberto Patrus-Pena

Nós e Laços, Paixão e Amor

Roberto Patrus-Pena

Quando nascemos, o fio que nos ligava à origem mãe foi cortado. O primeiro nó é o umbigo, ônfalo, memoria da origem, nó cego, dado para estancar a ferida aberta da primeira e definitiva perda. Quando Apolo divide os andróginos em dois, a mando de Zeus, o umbigo é deixado como registro da nossa condição de fendido, cortado, para nos lembrar da impossibilidade de completude, condição exclusiva dos deuses.
Incapazes de aceitar tal desamparo, cremos na possibilidade de religação, iludidos pela possibilidade da construção de um “nós”, pronome da 1a pessoa do plural. Tal busca se condena ao fracasso quando queremos fazer, da nossa relação com o outro, um nó. Inseguros pela angústia da primeira perda, buscamos prender o outro e nos prender a ele, queremos que o “nós” esteja firme como um nó. Ilusão.
Com o outro, não fazemos nós; só podemos fazer laços. O nós com o outro é a ilusão da ligação definitiva, perene. Não existe. O nó só pode ser dado em si mesmo. É sempre cego, como a paixão. O amor, ao contrário, vê o outro, e reconhece que só há ligação se o outro também a deseja. Daí a fragilidade da relação amorosa: ela não depende só de mim. Por isso, com o outro fazemos apenas laços, metáfora da precariedade de sua permanência.
O nó embola, o laço enfeita. O nó aprisiona, o laço respeita a liberdade. O nó nega o outro. O laço reconhece a necessidade de cativá-lo permanentemente. O nó representa a ilusão da reciprocidade da relação, o laço representa a unilateralidade do vínculo. O nó quer o nó do outro, quer nós. O laço não exige o abandono da singularidade.
Separar do outro não é desfazer o “nós”, nem desfazer nós. Separar é desfazer o laço. Dói mais quando acreditamos na paixão, ilusão do “nós”, porque depois do laço desfeito, ficamos com nossos nós para desembolar sozinhos. Sentimo-nos, literalmente, arrebentados, o que exige reconstruir o eu, que nunca deveria ter deixado de sê-lo, pessoa primeira do singular. Por isso, não podemos falar em nosso amor. O amor é unilateral, parte sempre do eu para o outro. O amor do outro, a ele lhe pertence. Se existe, não sei. Com sorte, podemos falar em nossos amores, que são dois.
Quando o outro parte, desfaz-se o laço, mas o meu amor permanece. Quando compreendemos que o amor é o encontro de duas singularidades, deixamos de temer os nós, pois este amor não prende, liberta. Já a paixão, ilusão do plural reunido em um pronome, é a projeção do eu que busca o nó consigo mesmo. A paixão é cega, o amor é pré-vidente. A paixão consome, o amor cuida.
Só amamos quando aceitamos a absoluta solidão do ser, quando reconhecemos que o outro não vai acabar com a falta que origina o nosso desejo. Amar exige aceitar a precariedade dos laços, reconhecer-se separado para ver-se ligado, conhecer seus limites para contemplar o outro. Amor é devoção, é manifestar a gratidão por quem te faz sentir ligado, quando na verdade somos sós. O amor é o presente de sentir que existe o laço com outro ser, quando na verdade vivemos o abismo do abandono diante do mistério da vida e da morte. Diante do milagre do amor, o outro é o altar onde eu celebro o mistério. Devo tocá-lo com o cuidado que o sagrado exige. Nossa união deve ter a delicadeza de um laço.


Agradeço a permissão do Prof. Patrus pela divulgação do texto.

Roberto Patrus-Pena é pesquisador e professor do Mestrado e Doutorado em Administração da PUC Minas, filósofo, psicólogo e psicoterapeuta.