quarta-feira, junho 30

A bola entre ele e o mundo


Era um dia comum para a mulher que saia a ir ao trabalho, ao chegar à garagem, seu carro não pegou. Ela estava muito feliz e satisfeita com as últimas notícias para se enraivecer ao ter que pegar ônibus. Estava mesmo com sorte, desta vez estava vazio, tinha lugar para sentar. Sentou-se e desligou o mundo. Ao olhar para fora do ônibus, não reparava em nada, só ficava pensando em sua vida e nos jogos da copa do mundo. Ela, que tinha aversão a futebol estava empolgada com a emoção sentida nos jogos, escolhia logo uma seleção e torcia até o fim já que seu país não estava representado. Trabalhou concentrada, sem muitos embaraços, estava num bom dia. Ao voltar para casa, novamente ao chegar ao ônibus, apenas dois assentos. Sentou-se ao lado da pessoa mais alheia, que não lhe traria problemas caso abrisse um livro e começasse a lê-lo. Naquele dia, ao sair do trabalho, tinha comprado um livro cheio de desenhos e imagens que retratavam fielmente a estória para seu futuro bebê. E ao acariciar sua barriga, ainda pouco mudada, imaginava somente momentos bons. No último ponto da estação, o ônibus pára e demora, ela guarda o livro na bolsa e olha para a multidão, lá fora. Numa surpresa, depara-se com uma turma de meninos, todos uniformizados de forma que pareciam sair de uma bela partida. Conversavam e olhavam para os próximos ônibus que vinham. E foi naquele olhar, que ela simplesmente viu o futuro e queria a ele saudar:
_ Ei! Menino! Você tem vontade de jogar um mundial? Sei bem que tem, vejo no seu olhar um herói nacional. Corre, corre que chegará sua vez, tenho certeza! Lute pelo seu sonho.
Mas não o fez. Continuou sentada no conforto calculando que teria notícias dele daqui uns dez anos, descobrindo-o por acaso assim como naquele dia. E, mesmo que ela não tenha gritado para aquele jovem, ela contará a ele que o viu pegando o ônibus, próximo à estação. Com um olhar indescritivelmente claro de quem leva seu país ao sucesso e ganha, pela primeira vez na história daquele povo.

“When I get older,
I will be stronger,
they’ll call me freedom,
just like a waving flag”

domingo, junho 27

Protocolado - Pág. 9


Removido pela autora.


Fig.: Pietro Perugino - Apolo e Mársias

sexta-feira, junho 18

Dicionário


Antes da contribuição de hoje preciso dizer em primeira pessoa que não posso agir na negligência de que há neste canal autor e leitores; é preciso então fazer um esclarecimento. Texto e imagem aqui se entrelaçam em um princípio fundamental: um não é legenda para o outro
***
A história é mais ou menos assim. Há quem se identifique com ela.
Na primeva, a referida paixão era tomada por livros de figuras mágicas e contos de fadas. Na ausência da habilidade de assimilar a leitura das palavras com o que se escutava ou falava, enquanto alguém lhe contava a estória, ficava a admirar as imagens. Mas, o que se há de fazer com a verdade de que “texto e imagem entrelaçam-se em um princípio fundamental [de que] um não é legenda para o outro”. Era necessário aprender a codificar as palavras e entendê-las sozinha para que fosse possível cantar o hino da independência e fomentar sua própria paixão.
Ganharam destaque os livros didáticos, ensinando a ler, contando estorinhas batidas e contando musiquinhas infantis. Passar muito tempo com esse tipo podia até ser legal, mas, era aprisionamento demais, maçante demais: tinha que fincar os pés no chão. Necessário seria se desprender de novo. Mas que nada. Praga que se alastra por todo tempo, por todo espaço, acaba o inútil se tornando útil quando os parâmetros se confundem e a utilidade ganha diversos valores.
Ai, ai! Mas é aí que se foi possível alcançar os livros da viagem, os incapazes de se reduzirem a uma só palavra, ou texto, ou interpretação, o que é a compreensão se se representada a materialização do infinito palpável. Só pode ser magia de alimento para a limitação da racionalidade humana e o freio para a irracionalidade. Não. Tem um tipo de livro que pode, mas não deve acompanhar quem permanece no almejo de se desprender. Limitantes, também maçantes, finitos e capazes de cegar. O dicionário. Substantivo masculino: 1- Enquadrador de sentidos na busca de uma comunicação objetiva, sempre antiquado. 2 – Aquele a quem se recorre na busca de significação para inteligentar o emburrecer. Triste fim e interrupção a quem lê. Pausar a infinitude da imaginação para recalcar o pensamento no cimento do dicionário: só pode ser coisa de realidade positiva, e sombria.
Então se ergue o timbre da razão, monótono em canto gregoriano:

_ Há ordem e progresso se continuais a ler, mas não deixe de me visitar com amor, mero mortal, por que sabes que precisarás de mim. Pois eu, que aqui estou, por vós, espero.

quarta-feira, junho 2

Não envelheço, penso.


Tive que trocar as escadas por uma rampa. Quando os joelhos já não mais funcionam como jovem o melhor é não sentir a efeito falho de dobrá-lo consecutivamente para não ter a sensação de já estar velho demais para executar ações banais. E quando o fisioterapeuta, alto, forte, de pele branca e lisa entra por aquela porta conversando comigo como se eu fosse um bebê ele não imagina que aqui dentro ainda está aquela linda jovem de 20 anos que um dia desviava olhares na rua. E ao pegar na minha perna, ele a dobra. E enquanto ela vem e vai, vem e vai eu fecho os olhos para amenizar a dor de forma que me faz árdua não voltar aos 15 anos. Eu, dentro de uma saleta repleta de penumbra e luz, ao som de Tchaikovsky num piano meio desafinado a forçar imensamente uma dor que na época era mais vício. E os fouettés pareciam naturais, eu podia voar. Ele me levanta da cama e a amizade intensa nos permite brincar de rodar, como se eu fosse criança. Eu novamente fecho os olhos para amenizar a luz forte que bate nos olhos e me causa mais cegueira. Ah! Um belo homem que podia ser meu neto, crueldade, se tornara a constância diária de meus pensamentos. Pecado seria relatar isso a alguém. Agente se torna velho e todo mundo acha que já estamos mortos. Quando nos olham a primeira associação é o encantamento, não há desejo, não há paixão, só restam os sentimentos medianos que todo mundo guarda no baú, para abrir nos dias de solidão. E essa brincadeira de roda parece eterna. E vamos girando sem fim como uma película de filme, se vão ultrapassando meus dias, minhas noites, quando o filme vai sendo cortado em alguns pontos e aplaudido em outros. E tudo que eu desejo é que o filme não acabe, não acabe. Mas ou se acaba ou se queimam aquelas belas imagens. Então, para não se esvaírem os agradecimentos, agente produz uma feliz e bela Coda. Eterna, sincera e roda. Os sons vão ficando piano, cada vez mais piano. Coloca-me em seus braços, berço e durmo.