quarta-feira, junho 2

Não envelheço, penso.


Tive que trocar as escadas por uma rampa. Quando os joelhos já não mais funcionam como jovem o melhor é não sentir a efeito falho de dobrá-lo consecutivamente para não ter a sensação de já estar velho demais para executar ações banais. E quando o fisioterapeuta, alto, forte, de pele branca e lisa entra por aquela porta conversando comigo como se eu fosse um bebê ele não imagina que aqui dentro ainda está aquela linda jovem de 20 anos que um dia desviava olhares na rua. E ao pegar na minha perna, ele a dobra. E enquanto ela vem e vai, vem e vai eu fecho os olhos para amenizar a dor de forma que me faz árdua não voltar aos 15 anos. Eu, dentro de uma saleta repleta de penumbra e luz, ao som de Tchaikovsky num piano meio desafinado a forçar imensamente uma dor que na época era mais vício. E os fouettés pareciam naturais, eu podia voar. Ele me levanta da cama e a amizade intensa nos permite brincar de rodar, como se eu fosse criança. Eu novamente fecho os olhos para amenizar a luz forte que bate nos olhos e me causa mais cegueira. Ah! Um belo homem que podia ser meu neto, crueldade, se tornara a constância diária de meus pensamentos. Pecado seria relatar isso a alguém. Agente se torna velho e todo mundo acha que já estamos mortos. Quando nos olham a primeira associação é o encantamento, não há desejo, não há paixão, só restam os sentimentos medianos que todo mundo guarda no baú, para abrir nos dias de solidão. E essa brincadeira de roda parece eterna. E vamos girando sem fim como uma película de filme, se vão ultrapassando meus dias, minhas noites, quando o filme vai sendo cortado em alguns pontos e aplaudido em outros. E tudo que eu desejo é que o filme não acabe, não acabe. Mas ou se acaba ou se queimam aquelas belas imagens. Então, para não se esvaírem os agradecimentos, agente produz uma feliz e bela Coda. Eterna, sincera e roda. Os sons vão ficando piano, cada vez mais piano. Coloca-me em seus braços, berço e durmo.

2 comentários:

  1. Rúbia, que belo texto. Me fez refletir sobre cada detalhe de nossa vida que se vai, às vezes, sem serem notados e que, no futuro, retornam a nossa memória e se fazem enxergados, pela primeira vez, como dádivas, preciosidades.

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  2. Muito bonito o texto. Nunca tinha pensado nisso antes: temos mesmo a tendência de associar os mais velhos com a sabedoria, a calma, a ponderação... criando uma imagem deles que mantém distante todas as sensações que vem à tona nos mais jovens. Bonito o cenário que montou, e principalmente as reflexões que fez. :)

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